terça-feira, 16 de setembro de 2008

MEXICO

É preciso ter muita coragem para realizar uma viagem de volta ao mundo sozinho! É preciso ter ainda mais coragem quando esta viagem é também o sonho de vida! Coragem para deixar tesouros que ficarão temporariamente ou eternamente para trás e não se arrepender. Coragem para se abrir e se expor ao desconhecido e às incertezas com as quais nos depararemos constantemente ao longo da jornada. Coragem para não desanimar e enfrentar com perseverança e força os momentos de solidão e tristeza, mantendo a chama interior sempre acesa, sempre. Coragem para imergir profundamente e se auto-conhecer, entrando intimamente em contato com a nossa verdadeira essência, aquilo que realmente nos faz valer como seres humanos. Coragem para correr o risco de viver a frustração de perceber que até mesmo um sonho de vida, muitas vezes não é tão perfeito como fantasiamos durante tanto tempo, por mais que ainda possamos chamá-lo de sonho. Coragem para entender que tudo tem um fim, até mesmo um sonho perfeito. Coragem para aceitar que depois de uma experiência como esta, nunca, nunca mais seremos os mesmos, doa a quem doer. Coragem para retornar às raízes e seguir adiante, muito mais maduro, sábio, realizado e consciente. Sem dúvida, é preciso ter muita coragem! Coragem, coragem, coragem...acima de tudo, coragem!!! Sendo assim, medo é, definitivamente, um termo que não pode prevalecer neste contexto.



Nesse sentido, eu sempre me considerei uma pessoa extremamente corajosa. Porém, confesso, desta vez foi bem diferente! Retornar a uma grande cidade de país de terceiro mundo após passar mais de seis meses viajando e conhecendo apenas países desenvolvidos foi um desafio colossal que me trouxe medo, muito medo.




Durante toda a viagem, nunca havia me sentido tão intimidado quanto na noite em que cheguei à Cidade do México.



Ainda estou refletindo bastante para tentar identificar as causas disso. Acredito que seja decorrência não somente de um, mas de uma série de fatores conjugados que culminaram nessa sensação de apreensão e angústia. Difícil dizer, mas o fato é que realmente não foi fácil entrar em contato e lidar novamente com problemas urbanos cotidianos como violência, pobreza, poluição, criminalidade, trânsito e prostituição.




Sendo uma pessoa que foi nascida e criada em São Paulo, eu sei que eu já deveria estar mais do que acostumado e preparado para encarar esta realidade. É verdade, eu deveria, mas não estava!!! Ou talvez eu apenas tivesse me esquecido, pois o desconforto e receio sentidos logo após a chegada foram tão grandes que beiraram uma crise de pânico e quase me impediram de desfrutar de todas as maravilhas e belezas da cultura e história mexicana.



Prenúncio de um desafio duro, todavia, interessante. Uma prévia do que, provavelmente, me espera o retorno à cidade de São Paulo, visto que ambas as cidades possuem inúmeras similaridades.



Um dos grandes diferenciais da realização de uma viagem de volta ao mundo reside justamente neste ponto. Quero dizer, acredito que dificilmente eu teria me sentido desta forma se tivesse feito uma viagem simples e direta entre as cidades de São Paulo e do México. O contraste nunca teria sido grande e significativo o suficiente para provocar reações e sentimentos desta amplitude e relevância. É duro aceitar a vida desta maneira após ter conhecimento das suas reais e diversificadas possibilidades. A vida vivida da forma como deveria ser, e não da forma inapelável e injusta como ela se coloca para nós, nos forçando a quase que simplesmente aceitá-la passivamente com poucas condições de mudá-la radicalmente.


A viagem ao México foi mais do que somente uma viagem. Foi além da minha expectativa, muito além! Foi bem mais do que mais uma mera experiência cultural, turística, gastronômica ou histórica.



Foi um marco! Mais do que o marco raro de um viajante-mochileiro que completa a lista das Sete Maravilhas do Mundo Moderno!





Foi o marco que me colocou em xeque contra mim mesmo e tudo aquilo que sempre havia imaginado para o futuro após o término da viagem, ainda que poucas vezes eu tivesse pensado e imaginado o futuro de uma forma concreta como comecei a pensá-lo depois desta passagem.





Foi o início de uma transformação permanente que me fez repensar valores e plano; sonhos e prioridades; vida e sobrevivência; essencial e supérfluo. Uma experiência esclarecedora e iluminada! O confronto ansiosamente esperado entre o antes e o depois!







Como na alegoria asteca em que as trevas da noite se transformavam em um puma que cruzava toda a floresta num processo cíclico infinito para trazer a sapiência do dia e levar a noite para o outro lado do mundo, o México percorreu as minhas zonas sombrias adormecidas e me trouxe a luz e a consciência necessárias para reavivar a coragem que eu precisarei para continuar vivendo daqui em diante!


Uma crença trivial, mas que traz implicitamente em sua moral a maravilha que pode se tornar a vida quando temos a coragem para nos abrir para seus mistérios, permitindo que a claridade dos dias dêem lugar à escuridão das noites e as noites, aos dias, incessantemente, inevitavelmente, incansavelmente, como um felino em ação que nunca pode parar...